Mauro Mendonça Filho: ‘Achamos que estávamos em tempos mais liberais’

LÍGIA MESQUITA
(Estevam Avellar/Divulgação)
O diretor Mauro Mendonça Filho (Estevam Avellar/Divulgação)

Mauro Mendonça Filho, 50, diretor-geral de “Verdades Secretas”, recebeu a missão de manter a inovação de linguagem no horário das 23h da Globo herdada do folhetim anterior, “O Rebu”.

Repetindo a parceria com o autor Walcyr Carrasco, com quem trabalhou em “Gabriela” e “Amor à Vida”, ele imprimiu um tom de seriado a “Verdades”. A trama, que acaba dia 25, tem média de 19 pontos no Ibope na Grande SP (cada ponto equivale a 67 mil casas).

O diretor falou à coluna:

Como você avalia a novela ?
Tivemos retorno bom de crítica, audiência. Passamos ao largo de qualquer moralismo. A novela ao mesmo tempo que é amoral é moralista. Sendo honesto, a questão de moralidade que teve em “Babilônia” ajudou.

Ajudou de qual maneira?
Todo mundo achou que estávamos em tempos mais liberais. Aí vimos que era ‘opa, peraí’. Careta adora um pecado, sacou? Pensamos: vamos fazer o que é proibido, porque aí pode. Talvez no início nossa visão fosse menos moralista. E o maior público é conservador.

Mudaram algo na trama?
Humanizamos mais a Angel (Camila Queiroz). Passei a tratá-la não como uma garotinha inglesa que faz prostituição e não está nem aí. Passei a mostrar dor, culpa. Comecei a mesclar amoralidade com moralismo. Isso sempre esteve lá no texto, mas talvez a gente estivesse acreditando que não precisasse de um certo moralismo. E precisa. .

A direção melhora um texto?
Genericamente, nunca é possível melhorar um texto. Você pode dar uma roupagem nova, mas não há milagre. Quando você tem texto maravilhoso, dá para fazer coisas impensáveis.

As novelas deviam usar mais a linguagem dos seriados?
O seriado pega do folhetim e vice-versa. A novela devia aprofundar as funções dos personagens. O cara é cientista e só namora? Fica vazio. De linguagem, as novelas deviam pegar menos didatismo, menos close, menos olho lacrimejando, menos ‘overacting’. Argentino chegou num lugar legal de interpretação. Aqui há uma certa vaidade da emoção. A gente é um povo que chora em hino, na hora de bater pênalti. Como se a frieza de raciocínio não ajudasse.

Houve muito ensaio com o elenco de “Verdades”. Faz muita diferença para o trabalho?
Total. O ator tem que…[pausa] TV hoje em dia é : a onça tá vindo no mato e você tem que acertar na cabeça. Não adianta acertar na pata que ela vai te engolir. O ator tem que chegar no primeiro dia de gravação já seguro de qual é o personagem. Tem que chegar lá já pensando em fazer bem, não em descobrir o personagem.
O cara domina a coisa, ensaia e aí tá bom. Chega no set e já sabe.
Sou diretor de ator, sou de teatro. Uma das características do meu trabalho é dizer que neguinho tá bem. E os atores estão bem.
Gosto de ver ator bom quando vou ao teatro, filme com ator bom. Gosto de linguagem, mas gosto de ator bom. Sou filho de atores [Mauro Mendonça e Rosamaria Murtinho]. Se o ator tá bem, meu trabalho tá legal. E não compito. Vai lá e brilha, porque isso leva todo mundo junto a galope.

Há uma cultura de improviso na TV?
Não acho isso é uma regra. Sou muito fiel ao autor com quem tô trabalhando, às ideias e às cenas dele no texto. Eu não julgo muito. Acho que o público tá cada vez mais exigente com repetições, didatismo. O público quer ir além um pouco. O público melhorou muito nos últimos anos.
Qualquer reflexo de programa que não esteja funcionando é de uma mudança que nego tá querendo. Seja para o bem, para o mal, moralista ou não.

Qual mudança vê no público?
[Os conservadores] estão saindo do armário, como disse a Fernanda Montenegro. Sou da opinião que para ter uma boa esquerda tem que ter uma boa direita. Para a réplica tem que ter a tréplica.
Acho absolutamente normal ter conservadorismo, o público é esse aí mesmo. Mas também vi reações maravilhosas do beijo gay em “Amor à Vida”. Aí você vê que tem gente querendo que a dramaturgia reflita mudanças. E acho que as pessoas estão mais exigentes em relação a temas, conteúdo e narrativa.
Acho que durante muito tempo o sistema novela funcionou meio que “quase tudo dava certo”. Agora tem que ralar mais.
Tem que pegar o público pela garganta.

Você sentia falta de uma linguagem mais parecida com a realidade?
O sistema de quatro câmeras [o comum em novelas] foi criado na década de 50, com aqueles shows antigos como da Lucille Ball, “Família Trapo”. É uma certa teatralização de palco italiano.
Aí todas as novelas são iguais, você acaba colocando sua linguagem dentro de um sistema.
Mas “Verdades Secretas” é uma novela menor, tem quatro capítulos por semana. Usamos duas câmeras e fizemos cenários de quatro paredes.
O ângulo não é o mesmo de uma cena pra outra, você tá dentro da casa das pessoas e não percebe que é uma boca de cena. os atores se sentem muito mais dentro dos personagens.

 

Na época de “O Astro” (2011) você falou que existia uma patrulha da originalidade [o diretor foi acusado de plagiar uma cena da  HQ “Watchmen” nesta trama e de copiar uma cena do filme “O Expresso da Meia-Noite em “Amor à Vida” (2013)]. Continua achando isso?
Acho que tem que ter critério. Eu fui mais cínico, achava isso, que em televisão se imita mesmo a torto e direito. Muito embora as referências visuais são as que mais chamam a atenção e as literárias, não. Tá cheio de histórias inspiradas em fatos reais e ninguém fala nada. Vocês jornalistas também escrevem tendo referências de texto.
Aí o visual acaba sendo o plágio mais evidente. Todo mundo de certa forma puxa uma referência daqui ou ali, mas você aplica de uma certa forma que dá uma burlada nisso.
Mas o visual não pode mais tanto, é o mais evidente.
Penso hoje diferente. Você pode até pegar uma referências mas tem que fazer diferente.
No caso, eu tinha feito uma cena em “Amor à Vida” igualzinha ao “Expresso da Meia-Noite”.
Acho que eram tempos mais cínicos de televisão. Agora, a gente deixa de ser referencial e vira referência, a exigência tem que ser um pouco maior. Tem que ter certos pudores.

Qual foi o maior desafio em “Verdades Secretas”?
Mostrar o vício da Larissa [Grazi Massafera] em crack, sim, foi difícil. Ela lá na cracolândia é uma identificação da gente, nós pequenos burgueses lá. Botei pilha para o Walcyr fazer uma cracolândia. E a ideia foi mostrar uma visão de compaixão. Há uma ideia de que viciado em droga é marginal. É uma doença.